Verônica Souza

O corte de cabelo e o amor às minhas versões

Hoje (18/11/23) percebi que não era apenas um corte de cabelo. Eu me amo de cabelos longos, médios e curtos. Sentir este amor em relação às todas as versões da minha aparência é a verdadeira cura que percebi hoje.

A maior parte da minha vida eu mantive os cabelos longos. Por ser volumosos eu recebia diversos apelidos, como samambaia, pavão, me chamavam de Elba Ramalho e até de capitão Caverna. Para mim soava como uma brincadeira e eu até acrescentava, por exemplo, quando me chamavam de Capitão Caverna do que é que estavam precisando para eu tirar dos meus cabelos. Mesmo que meus colegas falavam na intenção de “tirar o sarro” todos acabávamos nos divertindo com a situação. O Capitão Caverna era um desenho animado e ele era um troglodita que foi descongelado pelas três garotas aventureiras. Ele carregava consigo um porrete e costumava encontrar dentro de seus pelos tudo o que era preciso para ter sucesso na aventura.

Quando eu perguntava aos meus colegas sobre o que eles precisavam para concedê-los tirando dos meus cabelos, não tinha noção do poder dessa fala. Hoje eu sei, depois de algumas sessões de terapia que realmente toda a minha essência para bem viver a vida está dentro de mim, e, portanto, o “tenho que” ou o “preciso de” são desnecessários. Na verdade, acesso a mim mesma e vivo a minha missão, o meu sacerdócio.

Aos 6 anos, em 1986 o Brasil estava participando da Copa do Mundo. Os moradores da rua Camargo eram bem festeiros e naquele junho pintamos a rua e nos reunimos para torcer. Aconteceu que estávamos em roda girando, quando paramos, eu fui premiada e atrás de mim uma bombinha explodiu fazendo com que meu cabelo pegasse fogo. Eu chorei muito devido ao susto. Me levaram para casa e minha mãe me levou ao médico para entender se a pólvora me faria mal e a resposta foi não. Estão curiosos para saber quem foi que jogou a bombinha? Demorou uns 20 anos, mas fiquei sabendo que foi o David, um vizinho da rua, que também era criança na época.

Esse episódio foi marcante e não quis mais cortar meu cabelo, só as pontinhas. Naquela época era meu pai que cortava os nossos cabelos, apesar de sua profissão ser mecânico de manutenção. Meu cabelo já tinha crescido e estava na altura do meio das costas quando fomos convidados para uma festa e meu pai foi então cortar os cabelos lá de casa. O dos meus irmãos não tinha segredo, mas o meu, minha mãe informava a altura do corte. Assim ela fez, colocou a sua palma da mão nas minhas costas e o orientou a cortar naquela altura. Parecia obvio, com tudo o que eu já tinha vivido que era para cortar na altura da parte de baixo da palma, mas meu pai entendeu que era na altura de cima da palma e aí, quando ele terminou que me vi no espelho, eu chorei, não quis ir na festa, fiz birra porque novamente o meu cabelo tinha sido cortado além do comprimento que eu queria.

Então eu decidi que ninguém mais cortaria meu cabelo. Foi uma sentença, uma prisão que durou 20 anos.

O máximo que fiz foi aos 28 anos de idade uma progressiva “sem química”, que deixou meu cabelo nem liso nem cacheado. Não gostei do resultado, mas a solução era esperar ele crescer, assim fiz. Com 29 anos me casei e aos 30, durante a minha primeira gestação eu criei coragem e me dei o presente de um corte nos ombros, foi uma revolução interna, uma libertação do passado.

Dos 30 aos 40 eu mantive meus cabelos curtos, ora com pezinho na nuca ora chanelzinho porque a minha prioridade eram minhas filhas pequenas, então eu queria praticidade e com cabelos cacheados e cheios o curto era muito prático.

Confesso também que neste período ganhei alguns quilos a mais e não era muito agradável o novo look, os cabelos curtos deixavam o peso mais aparente ainda, sob a minha perspectiva, então naquela época eu não curti a libertação como deveria, porque assim como muitas pessoas eu também tendencio a olhar aquilo que não está tão bom a valorizar aquilo que está indo muito bem.

Com toda essa minha história, somente agora, quando “do nada” resolvi cortar o cabelo, de novo com pezinho na nuca, que percebi o que estava além do corte.

Não foi apenas o corte, foi a percepção do quanto é importante amar a mim mesma; de dentro para fora, por todos os lados e em todas as minhas versões: longo, médio e curto, gordinha ou magra.

Comecei este texto inspirada pela autora Ana Holanda em seu livro “Como se encontrar na escrita – O caminho para despertar a escrita afetuosa em você”, e nele, há um trecho que quero compartilhar: “…A paz começa dentro da gente. Não preciso ir para um tempo budista, para a igreja, para o alto de uma montanha. O cenário realmente não importa, porque a paz estará dentro de você sempre”, afirma Solange. A especialista em desenvolvimento humano Lisiane Szeckir concorda. Ela criou um método chamado Revolução Amorosa, um programa de dois dias no qual ela dá algumas pistas de como podemos fazer este cultivo, independentemente do cenário. Segundo ela, as pessoas buscam uma situação ideal para, então, se sentirem em paz consigo mesmas. “Isso não vai acontecer quando você tiver alguns quilos a menos, encontrar o emprego ideal ou o companheiro ou companheira dos sonhos. É preciso entender que a própria medida é o grande caminho e ser, assim, mais generoso consigo mesmo e com seu tempo”, diz.”

Com os cabelos curtos me sinto leve, empoderada, moderna, prática e arrumada o tempo todo. Me olhando no espelho vejo a mim mesma com mais nitidez e consigo então ser generosa comigo e com este meu tempo. Me sinto vitoriosa por olhar amorosamente para a minha história, honrando cada parte dessa história!

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Em meio à correria da vida moderna, muitas vezes esquecemos de apreciar as pequenas maravilhas que compõem nossa rotina diária. Minha missão é compartilhar pensamentos inspiradores que ajudem as pessoas a redescobrirem o encanto em suas atividades cotidianas.

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